Em março de 1985, o Brasil acompanhava ansiosamente os últimos momentos de preparação para a posse de Tancredo Neves como presidente da República. Eleito de forma indireta pelo Colégio Eleitoral, Tancredo representava o fim de um longo ciclo de ditadura militar e o início da redemocratização. No entanto, na véspera de sua posse, em 14 de março, começou a sentir fortes dores abdominais que foram inicialmente interpretadas como uma simples crise de diverticulite.
Durante a noite, seu estado se agravou e os médicos optaram por interná-lo às pressas no Hospital de Base de Brasília. Aquilo que parecia ser uma indisposição gastrointestinal se transformaria rapidamente em um drama nacional. As primeiras informações à imprensa foram vagas, aumentando a especulação sobre a real condição de saúde de Tancredo.
Cirurgias e mistério
Na madrugada do dia 15 de março, enquanto o Brasil esperava por sua posse, Tancredo era submetido à primeira de uma série de cirurgias de emergência. Ao todo, ele passaria por sete procedimentos cirúrgicos, enfrentando infecções generalizadas, complicações pulmonares e hepáticas. A falta de clareza nas informações divulgadas pela equipe médica alimentou rumores e incertezas.
Os boletins oficiais frequentemente divergiam entre si, e a população começava a desconfiar da gravidade da situação. A equipe médica, formada por alguns dos nomes mais renomados do país, tornou-se figura constante nos noticiários. Um dos momentos mais emblemáticos foi a divulgação da foto histórica de Tancredo no leito do hospital, cercado por médicos — uma tentativa de mostrar que ele ainda lutava pela vida, mesmo que já não houvesse muito o que fazer.

Sucessão incerta
Com Tancredo impossibilitado de assumir, a crise institucional se agravou. O país não sabia ao certo quem deveria ser o presidente. A Constituição da época não previa claramente o que fazer quando um presidente eleito, mas não empossado, estivesse incapacitado. O vice-presidente eleito, José Sarney, acabou assumindo interinamente o cargo.
Houve intenso debate entre juristas, políticos e militares sobre a legalidade dessa decisão. Alguns setores chegaram a defender que o presidente da Câmara deveria assumir. No entanto, prevaleceu a tese de que Sarney, como vice-presidente eleito, deveria ocupar o cargo. Assim, ele foi empossado no dia 15 de março, garantindo certa estabilidade institucional em um momento de grande comoção.
A morte de Tancredo Neves e a comoção nacional
Depois de 38 dias de agonia, Tancredo Neves faleceu na madrugada de 21 de abril de 1985, no Hospital das Clínicas de São Paulo. A notícia causou profunda comoção em todo o país. Multidões se reuniram nas ruas para prestar homenagens. O sonho da democracia parecia ter sido ferido antes mesmo de florescer plenamente.

O corpo de Tancredo foi levado a Brasília e Belo Horizonte, onde foi velado sob aplausos, lágrimas e cantos. O sentimento coletivo era de luto, mas também de esperança de que o sacrifício de Tancredo não tivesse sido em vão. Sua morte o transformou em símbolo da transição pacífica e democrática do Brasil.
Em meio à tragédia, uma frase dita por Tancredo pouco antes de sua internação ficou marcada na memória dos brasileiros: “Eu não merecia isso”. A frase, simples e profundamente humana, sintetizou o drama de um homem que lutou pela redemocratização, mas não pôde ver seu esforço coroado com a posse.
O poeta e escritor Ferreira Gullar, naquela oportunidade, escreveu um texto emocionante sobre a morte do amigo Tancredo Neves. Leia na íntegra:
“Adeus a Tancredo
Companheiro Tancredo Neves, eu não vou chamar você de Excelência logo agora, quando mais do que nosso presidente, você é nosso irmão ferido e que se vai. Foi você quem conduziu de, uma ponta a outra do país, acima de nossa cabeça, uma tocha de chama verde como a esperança.
Esperança é uma palavra gasta, mas não era a palavra, era a esperança mesma, que você carregava, e ela ainda Luzia em suas mãos hoje, no derradeiro momento, num quarto de hospital em São Paulo.
E quando suas mãos se apagaram, essa chama brilhou no céu da pátria nesse instante. Pátria é uma palavra gasta, mas pátria é terra, é mãe, embora muitos de nós, milhões de nós, ainda vagueiem pelas cidades, pelos campos, sem o penhor de uma igualdade que havemos de conquistar com o braço forte.
Pátria é uma palavra gasta, mas no seio dela descansarás Tancredo amigo, no chão macio de São João del Rey, amado pelo povo, à luz de céu profundo. Povo também é uma palavra gasta, mas o povo, o povo mesmo despertou quando lhe prometeste uma Nova República, iluminada ao sol de um novo mundo. E ela virá, e tu a construirás conosco, erguendo nossos braços, cantando em nossa boca, caindo e levantando como este povo em que, ao morrer, te transformastes.”