Em 11 de setembro de 1973, Salvador Allende, presidente democraticamente eleito do Chile, viveu seu último dia no Palácio de La Moneda, em Santiago, cercado por tanques e aviões da Força Aérea. Era o início de um golpe de Estado liderado pelo general Augusto Pinochet, que colocaria fim a um dos experimentos socialistas mais notórios da América Latina e mergulharia o país em uma longa ditadura militar. Allende, em um gesto de resistência e dignidade, escolheu a morte a se render aos golpistas.
A resistência de Allende em La Moneda
Naquela manhã, Allende chegou cedo ao Palácio presidencial, já ciente da traição de setores das Forças Armadas. Com farda de médico sob o paletó e armado com um fuzil AK-47 presenteado por Fidel Castro, ele fez questão de permanecer no local. Em um discurso transmitido pela rádio Magallanes, dirigiu-se ao povo chileno com palavras de esperança e coragem, declarando que não renunciaria e que pagaria com a vida pela lealdade ao povo e à Constituição.
Mesmo sob bombardeio, Allende resistiu ao lado de um pequeno grupo de assessores e seguranças. As imagens do Palácio em chamas, atingido por mísseis lançados de caças, correriam o mundo como símbolo da brutalidade do golpe. Poucos minutos antes de ser capturado, Allende cometeu suicídio no Salão Independência, com o próprio fuzil. A versão foi confirmada por testemunhas e peritos, embora por anos tenha sido questionada pelos militares que tentaram distorcer sua morte.
Ditadura e silenciamento
O golpe de Pinochet inaugurou 17 anos de ditadura militar no Chile, com repressão violenta a opositores, censura, prisões ilegais, torturas e desaparecimentos forçados. O nome de Allende foi apagado da história oficial durante esse período, seus discursos proibidos, e sua memória silenciada. Muitos dos que o acompanharam naquele 11 de setembro foram presos, exilados ou assassinados.
Apesar disso, a resistência à ditadura nunca se apagou. Em exílio, artistas, intelectuais e políticos mantiveram viva a imagem de Allende como mártir da democracia. Canções, poesias e obras de arte circularam pelo mundo denunciando os horrores do regime e exaltando a figura do presidente caído. O Chile tornou-se símbolo internacional da luta contra o autoritarismo, e Allende, um ícone da esquerda global.
Homenagens e reabilitação

Com o fim da ditadura em 1990, o Chile iniciou um processo lento e doloroso de reconciliação. Em 1998, o corpo de Allende foi exumado e identificado por uma perícia independente, que confirmou oficialmente o suicídio, encerrando décadas de especulações. Em 2003, no 30º aniversário do golpe, o Palácio de La Moneda foi reaberto ao público com uma cerimônia em sua homenagem, e seu busto foi colocado no Salão onde morreu.
Hoje, o legado de Salvador Allende é reverenciado em diversas partes do mundo. Seu famoso discurso final é ensinado em escolas e universidades, e sua figura é lembrada como exemplo de integridade e lealdade à democracia. Monumentos, ruas, universidades e espaços culturais levam seu nome, não apenas no Chile, mas em diversos países que acompanharam com pesar o desfecho trágico de sua presidência.
Allende permanece como símbolo de um idealismo inabalável, de alguém que acreditava ser possível transformar uma sociedade por meios pacíficos e democráticos. Sua morte não apagou seu sonho; pelo contrário, fortaleceu a luta por justiça social e liberdade. Como ele mesmo afirmou em seu último pronunciamento: “Muito em breve se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre para construir uma sociedade melhor.”
Essa promessa ressoa até hoje no coração de muitos chilenos e defensores da democracia pelo mundo. O último dia de Salvador Allende não foi apenas o fim de uma vida — foi o nascimento de uma lenda.